Inúmeros
fatores explicam os muitos séculos que se passaram entre os progressos
registrados antigamente e a adoção das técnicas modernas e das legislações que
levaram a arte da vinificação a um nível notavelmente elevado. Mesmo se as
técnicas de cultura e vinificação atingiram um nível relativamente elevado
durante o Império Romano, todo o empreendimento foi baseado em fundamentos
frágeis. A ciência era insipiente e a maioria das questões relativas aos
fenômenos naturais eram especulações, de modo que a teoria representava tudo,
enquanto a técnica baseava-se principalmente em métodos empíricos. A observação
e a experiência determinaram a maneira segundo a qual alguns processos podiam ser
conduzidos, com chances razoáveis de sucesso. Mas a cultura da videira e a
vinificação permaneceram atividades baseadas no acaso, devido a enormes
deficiências tecnológicas e a uma falha na aplicação sistemática das técnicas
que levaram à evolução, ao constrangimento e que, possivelmente, pararam o
progresso.
Alguns
escritores antigos de obras agrícolas pensavam, por exemplo, que ‘criaturas’ ou
‘coisas’ invisíveis ao olho humano, provocavam a fermentação e a deterioração
do vinho. Mas eles não podiam ir além disso, pois não dispunham de microscópios
– o que lhes teria possibilitado ver essas ‘coisas’ e entender como elas
funcionam. Contudo, a abordagem empírica possibilitou a antigos vinicultores
chegar a resultados relativamente bons. E algumas das antigas técnicas foram
conservadas ou retomadas. Por exemplo, os vinhos passito, como o Amarone,
produzidos a partir de uvas parcialmente secas, chamaram a atenção dos
apreciadores, mesmo se a maioria dos produtores e críticos os considera
sobreviventes arcaicos de técnicas vinícolas falhas e ultrapassadas. E eles
foram certamente sobreviventes, porque os gregos e romanos utilizavam essas
técnicas há mais de 2000 anos. A técnica resolveu, pelo menos parcialmente, um
antigo problema com a conservação do vinho, que tinha tendência a azedar no
final da colheita. A secagem aumentava a concentração de açúcar na uva, de modo
que, quando a fruta era triturada e o mosto adicionado ao vinho já produzido,
ocorria uma segunda fermentação. Este nível elevado de álcool, agindo como
conservador, aumentava o tempo de vida do vinho e alterava para melhor ou pior
suas características sensoriais.
As
práticas específicas dos consumidores de vinho hoje, já eram comuns nas épocas
clássicas. Fontes antigas relatam que etiquetas de identificação eram
frequentemente anexadas ou gravadas nas jarras romanas. Os consumidores podiam,
pelo menos em teoria, identificar o produtor, a fonte e o tipo de vinho
específico. Mas sempre existiram comerciantes sem escrúpulos que modificavam as
informações nas etiquetas ou diluíam o vinho. Em quase todos os países, há
décadas a falsificação era comum, mas na Itália, o impacto era limitado, porque
a maioria dos vinhos era consumida na região de produção. Portanto, o
consumidor frequentemente conhecia o produtor e essa familiaridade proporcionou
um grau significativo de garantia. Com o desenvolvimento de um mercado mundial
de vinho, foi necessário adotar um tipo formal de garantia, o que levou à
criação de uma denominação moderna do vinho, ou de um sistema de denominações.
Durante
o século XIX, o vinho se tornou um produto de base, amplamente disponível nos
mercados do mundo todo, graças ao desenvolvimento dos meios de transporte a
vapor, terrestres ou marítimos. Foi então que diversos vinhos italianos começaram
a viajar para fora de suas regiões de produção. É também no século XIX que os
cientistas estabeleceram os princípios fundamentais teóricos e práticos da
vinificação moderna. Além disso, novos modos de transporte e novas tecnologias
substituíram as diversas práticas antigas de vinificação e implantaram grandes
mudanças nos diversos setores. À medida que a demanda aumentava, crescia também
a necessidade de garantia e de proteção da origem dos vinhos italianos.
A legislação da Itália classifica seus
vinhos em quatro categorias:
DOCG
Denominazione di Origine Controllata e Garantita (DOCG) –
(Denominação de Origem Controlada e Garantida)
Um
vinho DOCG deve cumprir normas mais estritas que as estipuladas nas
regulamentações de ‘DOC’. Uma das principais diferenças é o volume produzido
inferior imposto pelas regras da DOCG. As reduções relativas à produção
provavelmente foram impostas para melhorar a qualidade dos vinhos, bem como
outras disposições dos códigos de produção. A norma também exige análises
químicas aprofundadas para todos os vinhos DOCG. Laboratórios aprovados pelo
governo devem efetuar essas análises relativas à composição física dos vinhos.
Uma vez que as análises tiverem demonstrado que as propriedades químicas
respeitam as normas especificadas pela regulamentação de DOCG, comitês formados
por especialistas experimentam os vinhos de cada produtor. Os comitês podem
recusar vinhos que não tenham cumprido as normas sensoriais especificadas ou
podem solicitar aos produtores adotar as medidas impostas para corrigir os
defeitos antes de aceitar ou de recusar definitivamente o produto. Após a
recepção de um relatório favorável sobre os resultados das análises química e
sensorial, os consórcios (consorzi) de produtores ou outros órgãos oficiais
(menos frequentemente), emitem e distribuem pequenos selos cor de rosa
numerados a serem aplicados nas tampas das garrafas de vinho DOCG. Controles
rígidos são efetuados apara garantir que o número de selos fornecidos
corresponda exatamente ao volume de vinho que pode ser produzido, segundo os
limites da regulamentação.
Entre
as 20 regiões da Itália, o Piemonte é atualmente a primeira com sete vinhos
inscritos na DOCG. Além do Barolo e do Barbaresco, a região produz Gattinara e
Ghemme, ambos tintos secos produzidos a partir da Nebbiolo, também chamada
Spanna no Piemonte do Norte. Existem dois brancos DOCG: o Asti suave, incluindo
o Asti Spumante e o Moscato d’Asti, e o Gavi seco ou Cortese di Gavi. O sétimo
vinho piemontês com DOCG é um tinto espumantede sobremesa incomum, o Brachetto
d’Acqui. A Toscana, grande rival eterna do Piemonte em matéria de enologia,
fica em segundo lugar com seis vinhos de DOCG. O Chianti foi dividido em duas
denominações: o Chianti Classico, a região de produção mais antiga situada no
centro da Toscana, e o Chianti, que contém sete sub-regiões. As sub-regiões que
envolvem o Classico são: Colli Aretini, Colli Fiorentini, Colli Senesi, Colline
Pisane, Montalbano, Rùfina e Montespertoli. Os dois vinhos restantes são o
Carmignano, um tinto seco, e o Vernaccia di San Gimignano, um branco seco.
O
Vêneto ocupa a terceira posição com três denominações de DOCG: um tinto seco
Bardolino Superior e dois brancos, o Soave Superior seco e o Recioto di Soave
suave. As regiões da Lombardia e da Úmbria são bem próximas na categoria de
DOCG, com dois vinhos cada uma. Na Lombardia, há o Valtellina Superior, que
compreende quatro sub-regiões: Sassella, Grumello, Inferno e Valgella. Os
quatro vinhos são produzidos a partir da variedade Chiavennasca, nome local da
Nebbiolo. O segundo vinho, o Franciacorta, é um vinho espumante clássico
produzido na versão ‘simples’ e em dois tipos adicionais, Santèn e Rosé. Os
dois vinhos da Úmbria que possuem a DOCG são tintos secos, o Torgiano Rosso
Riserva e o Sagrantino di Montefalco. A Emília-Romanha produz o branco Albana
di Romagna de quatro tipos, incluindo uma versão passito, e na Friul-Veneza
Júlia é produzido o Ramandolo, um vinho suave elaborado em uma região muito
limitada. A Campânia oferece um tinto seco formidável e a Sardenha serve o
Vermentino di Gallura, um branco seco.
Hoje,
muito mais de 2000 tipos de vinho são produzidos nas regiões de DOC e DOCG.
Eles são definidos pelo aspecto ou tipo (tranquilo, frisante ou espumante;
seco, meio-doce ou doce; natural ou fortificado) e são igualmente diferenciados
em função da variedade (ex.: o Tentrino inclui 26 tipo de vinho e 20 castas).
Os vinhos também podem ser classificados por milésimo (os vinhos jovens a serem
vendidos no ano da colheita, como o Novello ou os vinhos envelhecidos como o
Vecchio, o Stravecchio ou o Riserva) ou por sub-região específica, como o
Classico ou o Superiore. Os termos Superiore ou Scelto podem se aplicar a um
grau alcoólico mais alto, um período de envelhecimento mais importante ou uma
produção inferior (a maioria das definições está no glossário).
O
Comitê Nacional dos Vinhos de DOC foi relativamente sovina quanto ao
reconhecimento da DOCG. O reconhecimento de 24 vinhos em um período de 20 anos,
ou seja, uma média de um pouco mais de um por ano, reflete as regras rígidas
desta denominação. O importante preparo que os produtores de vinho devem
realizar para se candidatar ao reconhecimento como DOCG exige tempo e implica
investimentos consideráveis. Contudo, em longo prazo, os produtores de vinhos
menos conhecidos mas de alta qualidade, que entraram na classificação de DOCG,
viram a demanda aumentar de maneira significativa nos mercados nacional e
internacional. Por isso, a lista das DOCG continuará a aumentar.
DOC
Denominazione di Origine Controllata (DOC) (Denominação de
Origem Controlada)
No
começo dos anos 60 a Itália abandonou o sistema de meação, que representou o
modelo organizacional do setor agrícola desde a Idade Média. Essa ação resultou
em um êxodo rural massivo para cidades onde milhares de agricultores e
trabalhadores agrícolas se juntaram, porque graças à explosão do “milagre
econômico italiano” eles podiam encontrar trabalhos em usinas que eram mais
seguros e menos dispendiosos que o trabalho na fazenda. Produtores mais
ambiciosos compensaram suas perdas de mão de obra com a mecanização operacional,
introduzindo os tratores de esteira, que podiam, por exemplo, operar em
ladeiras e colinas. Mudanças na plantação das vinhas para se adaptar aos novos
equipamentos modificaram radicalmente o aspecto do campo em diversas partes da
Itália.
A
abolição da meação foi acompanhada pela criação, em 1963, do sistema de
denominações controladas do vinho, chamado na Itália de Denominazione di
Origine Controllata (DOC). Os especialistas aplicaram rapidamente a legislação
das DOC revisando os vinhos elaborados em todo o país e redigindo códigos de
produção para cada um dos vinhos aos quais os produtores solicitavam aprovação.
Isso representou uma tarefa hercúlea, porque a Itália cultivava mais castas
diferentes que qualquer outro país e produzia uma gama surpreendente de vinhos.
A quantidades dos pedidos de aprovação era significativa e os autores dos
códigos de produção tiveram de trabalhar em ritmo acelerado.
Os
códigos de produção delimitam as regiões de origem dos vinhos e especificam o
tipo (ou os tipos, porque uma denominação pode compreender uma gama de
variantes), o aspecto, a casta, os teores mínimos de álcool, rendimentos
máximos de uva por casta por hectare e um vinho a partir do tipo de uva, as
características sensoriais, a maturação (em madeira ou outro matéria e em cubas
fechadas), o tempo mínimo necessário de envelhecimento e as designações
específicas de identificação das sub-regiões particulares, como o Classico ou o
Superiore. Os consórcios de produtores já existentes ou formados após a adoção
do sistema de DOC são geralmente encarregados de supervisionar a produção de
cada região para garantir a conformidade com as regulamentações. O Comitê
Nacional dos Vinhos de DOC, nomeado pelo Ministério da Agricultura italiano,
deve aprovar cada novo código de produção ou cada modificação realizada em uma
regulamentação existente. A legislação das DOC também definiu registros,
geralmente vinculados à Câmara de Comércio local, nos quais todos os
vinicultores e produtores de vinho devem declarar suas vinhas e mencionar sua
produção de uva e de vinho. As forças policiais nacionais (carabinieri) e
locais e as unidades antifraude controlam e garantem a regulação dos
estabelecimentos vinícolas e as remessas de vinho.
Devido
à pressa com que os códigos de produção foram escritos, em particular no início
do sistema das DOC, os redatores tendiam a basear suas regras nas práticas
tradicionais que, na maioria dos casos, estavam fora de moda. Diversos
produtores ficaram irritados porque achavam extremamente rígidos os códigos de
produção que, diziam eles, os impediam de adotar métodos modernos que
respondiam às necessidades atuais do mercado. Em reação, o Comitê Nacional das
DOC começou a aprovar as revisões de diversos códigos de produção, enquanto a
lei que regia todo o sistema recebeu emendas diversas vezes e foi
totalmente atualizada em 1992, com a adoção da lei N° 164.
Hoje,
mais de 300 vinhos são certificados ‘DOC’ desde que o sistema foi introduzido
na Itália (ver a lista). Ainda, as autoridades do setor continuam a aprovar
novos códigos de produção, mas não no ritmo dos primeiros anos. Apesar da
proliferação das denominações e dos 40 anos de familiarização crescente dos
consumidores com o sistema no mundo todo, confusões, no entanto, persistem
sobre o significado do termo Denominazione di Origine Controllata. Diversos
consumidores pensam que ele se relaciona à qualidade e, por um lado, é isso que
ocorre, mas os consumidores bem informados sabem que ele se refere à garantia
da origem das uvas e ao respeito aos métodos especificados pelas normas que
regem a produção de vinho.
A
lei relativa às DOC resultou em uma melhora significativa da qualidade dos
vinhos italianos. Ela estimulou os produtores a investir na terra e nos equipamentos,
a realizar ou financiar pesquisas e a competir com os melhores vinhos dos
outros países produtores. Grande parte dos 2000 tipos de vinhos atualmente
cobertos pelas regulamentações DOC é ainda desconhecida fora da Itália ou, em
certos casos, de sua região de produção. A DOC estimulou os produtores a olhar
além do mercado local e a melhora constantemente da qualidade de seu vinho lhes
permitiu enfrentar a concorrência mundial.
IGT
Indicazione Geografica Tipica (IGT) (Indicação Geográfica
Típica)
Entre
as mais importantes inovações da lei, encontra-se a introdução da categoria
Indicazione Geografica Tipica (IGT). Antes do final de 2002, o Comitê Nacional
dos Vinhos DOC reconheceu cerca de 200 classificações IGT (ver a lista). A IGT
abriu novos caminhos para os vinicultores que queriam se aventurar além dos
limites relativamente rígidos das categorias DOC e DOCG, sem fazer concessões
ao nível de qualidade. As regulamentações IGT impõem a utilização de castas
autorizadas e a maioria dos códigos de produção adotados até hoje permite a
utilização de um único tipo ou uma proporção de pelo menos 85 % de uvas
aprovadas. Algumas regiões da Itália produziram durante muito tempo vinhos de
casta desse tipo, em particular a Friul e a Venezia Júlia e Trentino-Alto
Ádige no nordeste. Outras se concentraram na produção principalmente de
misturas de diferentes castas. Produtores de Chianti Classico, por exemplo,
podem produzir seu vinho a partir de Sangiovese somente ou com uma mistura de
Sangiovese (pelo menos 80 %) e castas locais como Canaiolo e Colorino ou uvas
internacionais como Merlot e Cabernet Sauvignon (máximo de 20 %). Se os
produtores fazem um vinho unicamente a partir da Merlot, não podem utilizar a
denominação Chianti Classico DOCG. No passado, esse vinho Merlot,
independentemente de sua delicadeza, não podia receber denominação. Ele tinha
de ir ao mercado como ‘vinho de mesa’ (vino da tavola). As regulamentações IGT
modificaram consideravelmente esta situação.
Os
vinhos de IGT são identificados com os territórios específicos, boa parte mais
vastos que as regiões especificadas nas regulamentações das DOGC e DOC. Alguns
são tão vastos como as regiões, enquanto outros são limitados a um vale ou a
uma série de colinas. Para os consumidores, as IGT significam principalmente
uma ampla gama de vinhos de boa qualidade, disponíveis a preços fortemente
concorrentes. Durante os últimos anos, os vinhos DOC e DOCG responderam por
aproximadamente 20% da produção total italiana. Com a introdução da categoria
IGT, as autoridades italianas definiram uma porcentagem de vinhos de
denominação de 50 %, mais da produção doméstica total.
Vino da Tavola
Vino da tavola (Vinho de Mesa)
Na
realidade, refere-se aos vinhos sem denominações ou comuns. Para as alfândegas
americanas, a denominação não interessa; apenas o teor alcoólico dos vinhos constitui
o fato determinante. Abaixo de 14 graus, trata-se de um vinho de mesa; acima,
de um vinho de sobremesa. No sentido italiano do termo, Vino da Tavola é uma
não-denominação. Não há regulamentação para a categoria, além da imposta e
aplicada pelas autoridades sanitárias, de segurança e fiscais.
No
período imediatamente após a introdução do sistema DOC na Itália, diversos
produtores começaram a se engajar em experiências de longo prazo. Eles desenvolveram
vinhos que, em diversos casos, ganharam elogios e clientes do mundo todo. Mas
as castas que eles utilizavam e/ou as técnicas de vinificação ou de maturação
que adotavam não eram autorizadas pelas regulamentações de produção das DOC. Em
suma, muitos vinhos entre os mais sedutores da Itália (pelo menos segundo a
opinião dos críticos e aficionados pelo mundo), como indicado pelos altos
preços, foram relegados ao status de vinho de mesa.
Criando
a categoria Indicazione Geografica Tipica (IGT), as autoridades italianas
forneceram aos produtores uma maneira de obter o reconhecimento oficial de seus
vinhos. Além disso, as revisões das regulamentações individuais de DOC
tornaram-se possíveis para incorporar os vinhos de mesa específicos. A
categoria permanecerá em vigor, porque alguns dos novos vinhos não cumprirão as
exigências de DOC ou IGT, mas certamente ela diminuirá significativamente no
futuro.